Por Lara Eliza
Quando um filme como Joker deixa uma marca tão profunda, as expectativas para uma continuação tendem a oscilar entre altíssimas ou extremamente baixas. Coringa: Delírio a Dois (2024), ou Joker: Folie à Deux enfrenta um conflito. Prosseguir com um projeto tão aclamado pode ser um 'golpe' arriscado. Não ironicamente, se duas palavras pudessem definir Coringa II, seriam "golpe" e "arriscado". Se o primeiro filme foi uma desconstrução do anti-herói na sociedade moderna, a sequência opta por algo mais ousado: um musical que subverte as expectativas e, ao mesmo tempo, corre o risco de alienar aqueles que esperavam uma continuação fiel ao tom sombrio original.
Ao transformar Coringa em um musical, o diretor Todd Phillips opta por uma linguagem mais expressionista e metafórica, expandindo os limites do que o filme anterior havia estabelecido. Este é um movimento ousado, sobretudo para uma franquia que nasceu da introspecção sombria e da exploração do psicológico conturbado do protagonista. No entanto, essa decisão criativa se revela eficaz, em grande parte graças ao roteiro bem estruturado e ao talento irretocável de Joaquin Phoenix. Phoenix, novamente no papel de Arthur Fleck, entrega uma performance arrebatadora, elevando as camadas de sua personagem com uma intensidade visceral que acompanha a narrativa caótica e musical do filme.
Por outro lado, um dos maiores pontos de discussão é a atuação de Lady Gaga, que assume o papel de Harley Quinn. Inicialmente, a escolha de Gaga gerou expectativas, dada sua experiência tanto no cinema quanto na música. No entanto, o resultado deixa a desejar. Embora o filme esteja repleto de números musicais potentes e uma estética apurada, Gaga não consegue dar à sua Harley Quinn a profundidade emocional que o papel exigia. A personagem, que deveria ser uma figura que mescla vulnerabilidade e insanidade com carisma perturbador, é retratada de forma genérica. Gaga, que demonstrou sua capacidade em filmes como Nasce uma Estrela, aqui não encontra o tom certo para Quinn, resultando em uma performance sem o impacto que a personagem e o filme precisavam.
A decepção com a atuação de Gaga é ainda mais acentuada pela qualidade do restante da produção. As músicas são bem compostas, casando de forma intrigante com o universo distorcido do filme, e a narrativa tem momentos de brilho. A ausência de uma conexão emocional mais profunda por parte de Gaga, no entanto, impede que o filme atinja seu potencial máximo. No fim das contas, qualquer atriz com habilidades similares poderia ter preenchido seu lugar sem prejudicar a essência da obra.
Ainda assim, 'Coringa: Delírio a Dois' se destaca como um filme que assume riscos e, em grande parte, acerta. A escolha por um musical para contar uma história tão perturbadora é uma decisão corajosa e, mesmo que não agrade a todos, demonstra uma vontade de explorar novos caminhos criativos em uma indústria que muitas vezes se apoia em fórmulas repetitivas. O filme não apenas expande o universo do Coringa, mas também reafirma Joaquin Phoenix como um dos grandes atores de sua geração.
No entanto, para uma produção que se propôs a ser tão inovadora, o resultado final é um misto de genialidade e mediocridade. A aposta de Phillips em transformar o filme em um musical é um golpe arriscado, mas bem-sucedido em grande parte. O que compromete 'Coringa: Delírio a Dois' é a falta de sinergia entre o elenco principal, especificamente a atuação de Lady Gaga, que não acompanha o brilhantismo de Phoenix. Mesmo com essa falha, o filme se mantém relevante e instigante, oferecendo uma experiência única para o público, ainda que marcada por altos e baixos.
Joker: Folie à Deux é, em última análise, um filme que desafia as convenções e provoca seus espectadores, mas que também nos lembra que grandes apostas nem sempre resultam em grandes vitórias.
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